segunda-feira, 1 de abril de 2013

A Igreja e a Política em um Encontro Histórico - III Parte

 A influência política no cristianismo.


O concílio de Niceia ficou historicamente conhecido por duas causas principais, a primeira foi a organização religiosa, esse foi o primeiro concílio ecumênico (do grego oikumene “mundial”) da história que tinha o objetivo de abolir uma heresia que havia surgido no meio Cristão, já a segunda causa foi a organização política, pois pela primeira vez um chefe de estado estava dirigindo uma reunião eclesiástica.

O Estado e a Igreja.

No ano do concílio, 325, o Bispo de Roma era Silvestre I [28] (nomeado papa séculos após), que não compareceu ao Concílio. A causa de seu não comparecimento até hoje é motivo de discussões, uns falam que o motivo de sua recusa ao convite do Imperador, era que, ele esperava que sua ausência representasse um protesto contra a convocação, que pela primeira vez foi expedida por um Imperador, outros dizem que Silvestre já tinha uma idade muita avançada e estava impossibilitado, portanto de comparecer e Silvestre já tinha sido informado da condenação de Ário ocorrida no Sínodo de Alexandria cinco anos antes. Apesar das duvidas sobre a verdadeira recusa do Bispo Silvestre, o que se sabe realmente é que enviou dois representantes Vito e Vicente (presbíteros romanos) ao Concílio de Niceia.

A grande questão era que poucos Bispos estavam sequer se importando com a influência do estado dentro da cristandade, ao contrario estavam muito interessados no que o império podia lhe oferecer.
Quando Constantino decidiu trazer os cristãos para o seu lado, ele não fez, porque acreditava na causa cristã, mais ele tinha plena consciência que era a única forma de salvar o Império Romano, pois o império após muitos anos de existência estava muito enfraquecido e viu na fidelidade cristã a possibilidade de ter uma sociedade unida e dominada.

Após a conversão a nova fé, Constantino relutava e não praticava a doutrina cristã, evidenciando, por meio dessas atitudes, que o cristianismo serviria somente como instrumento político, para suprimir as possíveis divergências dentro da unidade do governo, todavia, o Imperador luta com todo o vigor para a perpetuação do credo cristão. Conclui-se nesse caso, que o cristianismo apenas servira a Constantino como um meio, e não como um fim. Afirmativa que, por extensão, justifica a atitude do Imperador em fazer uso da moral cristã no intuito de regenerar a moral romana[29].

Portanto, a intenção do estado e a do clero era distinta, porém se completava, pois, o clero buscava notoriedade e o estado buscava um novo aliado. Enfim no Edito de Milão deu-se o primeiro passo e no concílio de Niceia consolidou essa união.

O resultado dessa união.

Constantino foi agindo aos pouco, quando a Igreja percebeu, ele já a dominava plenamente. Primeiro ato de Constantino foi influenciar o Imperador Galério a assinar o Edito de Tolerância de 311 como se segue:
“...usando de nossa habitual clemência em perdoar a todos (...) outorgando-lhes o direito de existir novamente (...) com a ressalva de que não ofenda a ordem pública (...) Em contra partida a esta nossa indulgência, os cristãos obrigar-se-ão a orar a seu Deus por nosso restabelecimento...” [30]
Nosso restabelecimento aqui é a saúde do Imperador Galério que estava enfermo e agonizando, supostamente, Constantino, persuadiu com a promessa que o Deus dos cristãos podia cura-lo de suas chagas. Após conseguir a tolerância, Constantino, teve fundamental influência no Edito de Milão em 313 que outorgava “Pareceu-nos justo que todos, cristãos inclusive, gozem da liberdade”[31] alcançando assim a total liberdade aos cristãos.

Logo que a liberdade estava mantida, os cristãos agora não eram mais marginais fora da Lei, Constantino pode então se aproximar com amparo da Lei e ofereceu ajuda financeira, isenção de imposto, transporte, restituição de bens e propriedades sem ônus e colocou estrutura pública em favor dos clérigos.

Como agradecimento os clérigos o tratavam como líder temporal máximo da Igreja, dando-lhes a prerrogativa de dirigir os trabalhos internacionais e direito a palavra e voto nessas reuniões, cabia também ao Imperador organizar as dioceses, regulamentando as transferências de Bispo, cabendo-o ainda a aprovação ou não dessa transferência de diocese. A disciplina dos Bispos também era creditada ao Imperador. Esses foram os primeiros passos de Constantino para dominar a Igreja.

Quando foi instaurado o Concílio de Nicéia os Bispos estavam tão preocupados com a questão do arianismo, que nem se deram conta que, ali, naquele momento, Constantino lançava sua coleira na Igreja, seu passo final para dominar de uma só vez a Igreja de Cristo e salvar o Império romano de sua decadência eminente[32].

A partir desse dia Roma tinha o domínio total sofre a fé cristã, o que ocasionou no ano de 380 o Edito de Tessalônica, que adotava o cristianismo como religião oficial do império, este edito foi promulgado pelo último Imperador romano, Teodósio. Este documento foi escrito na tentativa de manter a unidade do Império, que já começava a se fragmentar devido à péssima atuação político-administrativa e a se defender das frequentes invasões bárbaras.

Mas não obstante o Senhor ter assim livrado o seu povo de muitos perigos, foram os próprios cristãos que prepararam para si bastante trabalho pelas suas loucuras. As atitudes e procedimentos adotados pelo clero, com ressalvas a algumas brilhantes exceções, tornaram o clero notavelmente irregular. Em todas as dioceses havia contenda, e falta de respeito entre os sacerdotes, por exemplo, a diocese de Roma tinha decaído a tal ponto, que dois candidatos ao bispado, Lourenço e Simaco, nos esforços que empregaram para obter o lugar, não temeram fazer as mais graves acusações um ao outro.

O atrevimento do clero revela-se de um modo notável, no fato de que Martinho Bispo de Tours, que era um cristão fiel e dedicado, consentiu em ser servido à mesa pela mulher do Imperador Máximo, vestida como uma criada! Também se conta deste Bispo outra história da mesma espécie. Estando um dia a jantar com o Imperador, este passou-lhe a sua taça, pedindo que bebesse primeiro, Martinho assim fez com grande ostentação, mas antes de restituir a taça ao Imperador, passou-a ao seu capelão, fazendo observações de que os príncipes e potentados estavam abaixo da dignidade de padres e Bispos [33].

Procurando se distinguir do povo, dando inclusive cargos a alguns cristãos menos talentosos, levou a Igreja a criar vários cargos, como, subdiaconato, leitores ajudantes, acólitos [34], exorcistas e porteiros. Além de tudo isso também se tornara comum a adoração das imagens e a invocação dos santos. Ouve também uma perseguição terrível, o Bispo Nestor por se recusar a empregar o termo "Mãe de Deus" referindo-se à virgem Maria. Tudo isso vem somar decadência total que passava a Igreja e nos mostra muito claramente em qual direção e a Igreja estava prosseguindo.

Logo após a morte de Constantino, começou o esforço pela supremacia episcopal. Neste período o Bispo de Roma era reconhecido como o primeiro entre os iguais [35] Essa disputa entre os Bispos ganhou muita notoriedade no ano 440 quando Leão I assumiu o posto e apresentou os seus direitos ao governo universal na Igreja, como sucessores de Pedro. Parece que muitos cristãos acreditavam realmente nesse tempo que Pedro fora o fundador da comunidade cristã romana, sobre isto escreveu o Dr. Knight[36]
“Quando Leão I asseverou que o apóstolo foi chamado Petra, isto é, a rocha, para significar que foi ele quem constituiu o alicerce da Igreja, e advertiu os irmãos a que reconhecessem que ele foi o primeiro de todos os Bispos continua “e que Cristo, que não nega os seus dons a ninguém, também não os dá a ninguém senão por meio dele”. 
Milhares de cristãos prontamente receberam a explicação, e escutaram-na com submissão e aceitaram essa advertência. Essa disputa se encerrou no ano de 590, foi quando o Bispo de Roma, Gregório I, o grande, recebe a atribuição de papa universal, titulo que ele rejeitou, mais se utilizou de todas as prerrogativas que este lhe concedera.

O que vemos nesta evolução histórica do cristianismo é que antes de 311, não havia poder temporal nas mãos dos Bispos, o que a partir desta vem a acontecer. E quando este poder chega aos ministros de Cristo, eles começam a derrapar em sua fé, começa a ceder a tentação do cargo, assim perde toda a sua humildade e piedade, levando-os a extrema cobiça deste mundo, poder, poder e mais poder.

CONCLUSÃO.

Mas, a Igreja pode exercer poder público?

Pode ela ter em suas mãos o poder temporal e atemporal ao mesmo tempo?

Vejamos o que a história vai revelar nessa relação, pois a partir do ano de 311 até o dia de hoje temos mais de 1.700 anos dessa relação e os seus reflexos pode nos dar uma exata noção deste assunto tão presente em nossos dias.

O grande fato, evidentemente, e que a Igreja não soube conviver com o poder temporal, desde que possuiu essa prerrogativa, ela caminhou a passos largos, rumo à corrupção do caráter cristão de sua liderança, refletindo inclusive, em sua conduta para a comunidade e o mais necessitados, isso tudo eclodiu em um grande cisma e principalmente na reforma protestante com o monge Martinho Lutero, resultando na formação da Igreja Ortodoxa, caso do grande cisma, e nas Igrejas Protestantes, caso da reforma.

Hoje, por incrível que pareça, a história não mudou muito. A antiga Igreja Católica continua completamente fora dos ideais iniciais, existe corrupção por todos os lados exemplos não faltam como vatileaks, o "Banco do Vaticano", os grandes latifúndios em muitos países.

Por ironia da história, a Igreja Protestante, que nasceu para acabar com essa prática, encontra-se também, impregnada com essa doutrina. No Brasil, por exemplo, existe a chamada “bancada evangélica”, que após uma grande debandada, na legislatura anterior (2008 à 2012) estava contando com 37 membros. Essa bancada foi alvo de uma denúncia, verdadeira por sinal, que cometia irregularidades em vendas de ambulância para o sistema público de saúde, entre outros crimes também comprovados[37]. Em 2012 esta bancada se rearticulou e conseguiu reverter a perca de membros causada pelas denúncias, passaram então a contar com 66 membros, sendo 63 deputados e 3 senadores do congresso federal, em sua maiorioa pastores de seus respectivos ministérios.

A Igreja deve então ter representante no poder público?

Sim, é a nossa resposta, mas com uma ressalva. Hoje a Igreja deve profissionalizar as suas secretárias, devemos ter pessoas capacitadas profissionalmente para cada setor, o presente século necessita disto, mas não podemos colocar sacerdotes em função temporal, O Pastor, Bispo, Presbítero, Padre, Arcebispo, Cardeal etc., são ministro de Deus, consagrados ao santo oficio das atividades sacerdotais, de forma alguma deve se colocar em posição publica estatal, pois o poder público atrapalha a doação na obra de Deus.

Estamos preparados parados para o futuro?

Esta foi a nossa pergunta inicial. Sim, mas infelizmente, temos que lutar para não se adequarmos a nossa situação presente.

Podemos e devemos mudar



"E não vos conformeis a este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente"
                                                                                                                Romanos 12:2




Soli Deo Gloria.
 

[1] Utilizamos aqui este termo no sentido mais antigo da palavra, como aquilo que denota o “poder metafísico”.
[2] BETTENSON, Henry. Documentos da Igreja Cristã..São Paulo: Aste, 2007. p.47.
[3] MEDEIROS, Silvio. AULA DE HISTÓRIA III: O Edito de Milão e a consolidação histórica do Cristianismo. Disponível em: http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.5/br/.
[4] KNIGHT, A.E., ANGLIN, W. História do cristianismo. 2ª ed,. Rio de Janeiro: CPAD, 1983. p.20.
[5] KNIGHT, A.E., ANGLIN, W. op. cit. p.31.
[6] MEDEIROS, Silvio. op. cit.
[7] Informações retiradas do artigo “Constantino I” da Enciclopédia eletrônica livre Wikipédia disponível em: www.Wikipédia.com.br.
[8] KNIGHT, A.E., ANGLIN, W. op. cit. p.33.
[9] CURTIS, A. Kenneth.Os 100 acontecimentos mais importantes da história do cristianismo: do incêndio de Roma ao crescimento da igreja na China .trad. Emirson Justino. São Paulo: Editora Vida, 2003. p.28.
[10] EUSÉBIO, História Eclesiástica,São Paulo: Editora Novo Século, 2002. p.198.
[11] BETTENSON, Henry op. cit. p.49.
[12] EUSÉBIO, op. cit. pp. 211-2.
[13] BETTENSON, Henry op. cit. p.51.
[14] EUSÉBIO, op. cit. pp. 205-6.
[15] MEDEIROS, Silvio. op. cit.
[16] KNIGHT, A.E., ANGLIN, W. op. cit. p.34.
[17] Oficialmente o Concílio de Nicéia foi convocado pelo Imperador Constantino e foi presidido por Alexandre, Bispo de Alexandria ou Ósio, Bispo de Córdoba, mas é de conhecimento de todos que esta presidência era na verdade conduzida por Constantino.
[18] CURTIS, A. Kenneth. op. cit. p.30.
[19] Idem, Ibidem.
[20] CURTIS, A. Kenneth. op. cit. p.30.
[21] BRANDT, Steve. O Concílio de Nicéia. Apostolado Veritatis Splendor, Disponível em: http://www. veritatis. com.br/article/4328.
[22] Informações retiradas do artigo “Primeiro Concílio de Nicéia” da Enciclopédia eletrônica livre Wikipédia disponível em: www.Wikipédia.com.br.
[23] BETTENSON, Henry op. cit. p.62.
[24] Ek tes oysías toy patrós – “do mais íntimo ser do Pai” – unido inseparavelmente.
[25] Homooysion tõ patrí – ser inido intimamente com o Pai; embora distintos em existência, estão essencialmente unidos.
[26] Enanthôpésanta – tomando sobre si tudo aquilo que faz homem ao homem.
[27] Eks oyk óntôn – “do nada”.
[28] Informações retiradas do artigo “Primeiro Concílio de Nicéia” da Enciclopédia eletrônica livre Ocultura disponível em: http://www.ocultura.org.br.
[29] MEDEIROS, Silvio. op. cit.
[30] BETTENSON, Henry op. cit. p.49.
[31] Idem, Ibidem.
[32] CAIRNS, Earle E. O cristianismo através dos séculos:uma história da Igreja cristã.trad. Israel Belo de Azevedo.2. ed. São Paulo: Vida nova, 1995. p.107.
[33] KNIGHT, A.E., ANGLIN, W. op. cit. pp.45-6.
[34] Acompanhador do Ajudante.
[35] CAIRNS, Earle E. op. cit. p.127
[36] KNIGHT, A.E., ANGLIN, W. op. cit. pp.48-9.
[37] Números de 2007 antes das denúncias (menssalão e sanguessuga) esse número era de cerca de 70 deputados.

_____________________________

BIBLIOGRAFIA (Geral).

BETTENSON, Henry. Documentos da Igreja Cristã..São Paulo: Aste, 2007. 452 p.
BÍBLIA Shedd: Antigo e Novo Testamento. Trad. João Ferreira de Almeida. 2.ed. rev. e atualiz. no Brasil. São Paulo: Vida Nova; Brasília: Sociedade Bíblica do Brasil, 1997. 1929 p.
CAIRNS, Earle E. O cristianismo através dos séculos:uma história da Igreja cristã.trad. Israel Belo de Azevedo.2. ed. São Paulo: Vida nova, 1995. 508 p.
CURTIS, A. Kenneth. Os 100 acontecimentos mais importantes da história do cristianismo: do incêndio de Roma ao crescimento da igreja na China .trad. Emirson Justino. São Paulo: Editora Vida, 2003. 205 p..
EUSÉBIO, História Eclesiástica,São Paulo: Editora Novo Século, 2002. 223 p.
KNIGHT, A.E., ANGLIN, W. História do cristianismo. 2ª ed,. Rio de Janeiro: CPAD, 1983. 223 p.
PERES, Alcides Conejeiro. O catolicismo romano através dos tempos: uma análise de sua história e doutrinas. Rio de Janeiro: JUERP, 1995. 146 p.

Bibliografia eletrônicas.

BRANDT, Steve. O Concílio de Nicéia. Apostolado Veritatis Splendor, Disponível em: http://www. veritatis. com.br/article/4328. Acesso em: 28 de Março de 2013.
MEDEIROS, Silvio. AULA DE HISTÓRIA III: O Edito de Milão e a consolidação histórica do Cristianismo. Disponível em: http://www.recantodasletras.com.br/redacoes/571238. Acesso em: 28 de Março de 2013
VARO, Francisco. O que aconteceu no Concílio de Nicéia? Disponível em: http://www.opusdei.org.br/art.php?p=16353 Acesso em: 28 de Março de 2013.
WIKIPÉDIA, Enciclopédia eletrônica livre. Artigo “Constantino I” disponível em: www.Wikipédia.com.br. Acesso em: 28 de Março de 2013
WIKIPÉDIA, Enciclopédia eletrônica livre. Artigo “Primeiro Concílio de Nicéia” disponível em: www.Wikipédia.com.br. Acesso em: 28 de Março de 2013
OCULTURA, Enciclopédia eletrônica livre. Artigo “Primeiro Concílio de Nicéia” da disponível em: http://www.ocultura.org.br. Acesso em: 28 de Março de 2013

Postagens populares

Fernando Pessoa.

Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.

Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história. É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma. É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.

Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um "não". É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.

Pedras no caminho?

Guardo todas, um dia vou construir um castelo…